terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Olhares

Hoje voltei a ver-te. Barba grande e grisalha, pegada ao cabelo sujo e revolto, a cercar um rosto tisnado e enrugado, de expressão única e parada. Farrapo velho no corpo pequeno e curvado. Nas mãos, uma garrafa de cerveja. Que voltas deste para te encontrares assim, nesta encruzilhada da vida, à esquina duma qualquer rua?
Lembro-me de ti, sorridente e conversador, tirando do mar o sustento para a mulher e filhos. Um dia, numa coincidência estranha, encontrei-te fechado num lugar impensável. Olhámo-nos. Acenaste a cabeça num cumprimento envergonhado e eu fiquei embasbacada por te ver ali, misturado com aqueles que eu pensava serem de outro lugar que não o teu, terem feito opções que não as tuas. Pobrete, mas alegrete. Pobre, mas regateando com a vida aquilo que era teu por direito do trabalho honesto. Alegre, porque dominavas os teus curtos horizontes. Mal refeita da situação, estendi a minha mão num cumprimento de feliz natal. Há quantos anos? 10, 15? Nunca mais te vi, até hoje.
Gostava de saber em que montanha russa viajaste e em que voltas te perdeste e perdeste os teus.
E continuas à esquina, de cerveja na mão e olhar parado.

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