terça-feira, 14 de junho de 2016

Dos Homens

Futebol e orientação sexual são os temas desta semana. Parecem não combinar muito, digo eu, mais conhecedora da vida do que do mundo.
No futebol, os olhos da nação só têm uma direcção donde resulta que a selecção das quinas bem que podia entrar para o guiness por ser a mais pequena da competição: um guarda-redes e um avançado. Do primeiro pouco importa o nome desde que se estique bem a defender, do segundo já se disse tudo, falta ainda muito para dizer, mas é ele que domina, é ele que salva, é ele que redime. Nada mais conta. As previsões de jogo, a antevisão dos lances, a estatística dos golos centram-se naquela figura única e tudo o mais surge desbotado, num contexto necessário mas em cujo esforço dos coprotagonistas ninguém repara. Tudo treinadores de bancada. Enfim, cansativo. Tomara já que acabe o que ainda agora começou. Como não percebo grande coisa do assunto, não prevejo nem antevejo. Mas tanta fome de ganhar certamente dará em fartura de falhanços, bolas ao lado, pouca visão do árbitro. Pois, ele não está ali a defender o clube dele. E, ala que se faz tarde, aí pela antepenúltima ronda, au revoir, daqui a dois anos há mais.
Relativamente ao segundo tema, li há pouco uma frase que resume o drama: "penso que chegaremos a um ponto onde as crianças nascidas agora perguntarão aos pais - explica-me lá isso de pessoas serem mortas por amarem outras". O irónico é que não sei se nesse futuro os pais já terão resposta.
O atentado de Orlando não deveria ter acontecido. Pelo menos neste mundo com informação a rodos, de redes sociais pejadas de citações a apelar à igualdade de tudo e de todos. No entanto, ainda vai reinando a verdade orwelliana: todos são iguais mas uns são mais iguais do que outros.
Muita dor, muita solidariedade mas também muita hipocrisia. Percorrendo aqui estas estradas virtuais, leio textos e mais textos lucubrando  sobre o assunto, defendendo, atacando, mas sem essencialmente ir ao âmago da coisa: o amor seja entre quem for não faz fortunas, não estagna mercados, não derruba governos, o medo desse amor é que é bem capaz de abanar com algumas das anteriores.
Num bate boca social, alguém, em gloriosa defesa das vítimas, insurgia-se raivosamente contra o escriba não alcançando a sua intenção e rematava assim: castigo maior era teres um filho gay!  Bom, fico confusa. Então ser gay é uma dádiva ou um castigo?
Então está-se a favor por ser contra ou está-se contra por ser a favor? Então a melhor defesa é o ataque?
Deve ser aqui que os dois temas se ligam: o amor à camisola é colectivo e só para os  campeonatos, seja de futebol seja de solidariedade. Fora isso, adeus, adeus que o meu clube é outro.
 

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Bofetada ou Bofatada?

Podemos ser acusados de muita coisa, mas nunca de sermos um povo aparvalhado ou sorumbático. 
A queda para o anedotário público saído da classe política é antiga e vai fazendo escola. Quem não se lembra do candidato que gaguejou o desconhecimento do pib, de um outro que clamou de dedos levantados o nome do adversário político num comício do seu partido, dos corninhos do ministro ou da tia mansa do outro? Fatal como o destino: quando um ministro, ou equiparado, se irrita lá vai disto. 
Agora é a promessa de umas boas lambadas para aprender a não dizer disparates antigos ou modernos. O senhor ministro da cultura não gostou de umas frases que lhe recordaram certamente alguns momentos menos felizes e ripostou publicamente, na sua rede social preferida, com a ameaça que todos nós conhecemos da nossa infância - ai se eu aí vou, ai se eu te encontro a jeito levas um par de bofetadas que é para aprenderes a portares-te como deve ser! Ai, ai, ai!
Qual democracia, qual carapuça. Liberdade de expressão, mas qual liberdade de expressão.
Meus amigos, o respeitinho é uma coisa muito bonita e recomenda-se. E se a coisa não for lá com uma bofetada, prega-se um par de bofatadas, pois que o "e" substituído pelo "a" tem mais vigor, mais definição de quem manda sou eu. 
Já uma célebre banda cantava há uma vintena de anos, ou estás caladinho ou levas no focinho.

terça-feira, 1 de março de 2016

As casas





Hoje recebi a noticia de que a casa onde me fiz gente está vazia e pregada com barrotes. Logo um montão de imagens, ruídos e pessoas me acudiram ao pensamento. 
Ainda oiço o toque da campainha e o chiar da porta da rua. E recordo a passadeira listada da escadaria que abafava os passos, o gradeamento do corrimão de madeira escura que orientava a subida, o espelho pomposo que recebia ao cimo das escadas, as portas de chaves grandes e dentes largos, as clarabóias que beijavam o céu e enfrentavam o vento, a chaminé que atravessava dois pisos, invadia a privacidade do quarto e rompia o sótão para respirar. Lembro as janelas enfeitadas com cortinas de renda que tremiam quando passavam os carros e os camiões. Tão nítidos ainda são os pregões de gente atarefada e os gritos da criançada fazendo rolar o arco ou empurrando os cabazinhos pelas bermas dos passeios. 
Agora não está lá ninguém, nem na casa, nem na rua. 

As casas são o que são, representam o que representam, valem o que valem. Como as ideias.
As casas são o abrigo, o aconchego, o espaço onde descobrimos a vida. Elas representam a nossa relação com a família, com os amigos, com os vizinhos, até com a rua. Representam também o nosso modo de vida, o nosso contexto socioeconómico. As casas valem a nossa memória, o nosso afecto.
Saber que a  casa onde vivi está moribunda de abrigo, de descoberta, de relação, de memória e de afecto, entristeceu-me. Senti saudade do tempo que galopante passou por mim.
Tudo na vida tem um tempo e um espaço. Tudo nasce, cresce e morre. Até as casas, até as pedras.
Ainda não há muito que li um poema de Ruy Belo a propósito da degradação das ruas e das casas. Sinto agora que essa leitura talvez tenha sido premonitória, uma espécie de crónica de uma morte anunciada.

Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
ela morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
respirei - ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas
 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Em vez de...

Acho a nossa língua portuguesa bem humorada. As nossas expressões idiomáticas rodeiam com um sorriso as contingências da vida e as agruras da nossa existência. Veja-se a prova: 

  Um português não tem um problema, na realidade ele está “feito ao bife”.
  Um português não lhe diz para deixá-lo em paz, diz-lhe “vai chatear o Camões”.
  Um português não lhe diz que é sexy, diz-lhe “é boa como o milho”.
  Um português não repete o que diz, ele “vira o disco e toca o mesmo”.
  Um português nunca se chateia, apenas “fica com os azeites”.
  Um português não tem muita experiência, ele tem “muitos anos a virar frangos”.
  Um português não se livra de problemas, ele “sacode a água do capote”.
  Um português não está numa situação desesperante, ele está com “água pela barba”.
  Um português não se irrita, ele “vai aos arames”.
  Um português que muda de ideias facilmente é um “troca-tintas”.
  Um português não é descarado, ele “tem lata”.
  Um português não se recusa a dar informação, ele “fecha-se em copas”.
  Um português não morre, ele “estica o pernil”.
  Um português não se faz de surdo, ele “faz orelhas moucas”.
  Um português não diz que está tudo suspenso por tempo indeterminado, ele diz que “ficou tudo em águas de bacalhau”.
  Um português não diz “É indiferente para mim”, ele diz “Não me aquece nem me arrefece”.

  Um português não passou por situações difíceis, ele “passou as passas do Algarve” .