quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Tempos Difíceis

 Desde há dois anos que andamos em sobressalto. 

Primeiro foi a pandemia que virou a nossa do avesso. E, apesar dos arco-íris do "Vai ficar tudo bem", a verdade é que as nossas rotinas e hábitos foram configurados para um antes de e um depois de. 

O início de 2022 trouxe alguma acalmia. Mas em fevereiro chegou a guerra. No tempo de vida da Europa unida, nunca tinha havido uma guerra tão chegada às suas fronteiras externas. 

E a nossa vida tornou a guinar. Instalou-se a crise energética. Dispararam os preços de tudo e de mais alguma coisa. Para compor o cenário catastrófico, ronda a ameaça da agudização do conflito com o recurso ao armamento nuclear.

Ora bolas! A década de 20 deste século ainda criança começou bem e ... não se recomenda.

Uma guerra não contempla vencedores ou vencidos em termos de sofrimento, dor e perda. Os mortos civis têm pai, mãe e filhos, e os mortos militares também. Qualquer que seja a nossa perspetiva ou opinião sobre as causas, fundamentos e argumentos dos interventores, não podemos nem devemos perder de vista que em ambos os lados há tragédias.

Erich Marie Remarque plasmou no livro "A Oeste Nada de Novo" o desencanto dos jovens recrutas imbuídos de patriotismo perante a realidade da frente de batalha.

Aqui deixo a leitura do início da obra.


quinta-feira, 3 de novembro de 2022

As Redes e a Comunicação

 Nos últimos trinta anos, a necessidade de ampliar a comunicação entre as pessoas tornou fértil o terreno das redes sociais.

E é no subsolo deste conceito que entram em cena as minhas raízes familiares, formatadas no mar, e nas ditas. Tornámo-nos cardumes vagueando pelos mares intercontinentais, explorando as redes, num entra e sai para quebrar a ociosidade.

No início, a rede era pequena. Dominava a pesca à linha ou ao corrido nos mails que nos inundavam a caixa com carradas de powerpoints e fotografias de tudo e mais alguma coisa.

Quase em simultâneo encetámos a descoberta do caminho digital para as mensagens de telemóvel, com figurinhas engendradas nos símbolos do teclado e textos de correntes morais que incitavam à partilha.

Eis senão quando aparece a primeira rede verdadeiramente social, o Hi5. Foi assim uma espécie de arte da xávega, limitada ao tamanho da rede, à profundidade e às ferramentas. O cardume arrumava-se por potências de 5, num esquema espiral, onde o nome contava pouco numa competição com o avatar mais apelativo e destravado.

Já o século tinha deixado a idade da lactância, apareceu o Facebook. A rede era de malha larga e o cardume desenvolveu uma variante da palavra amizade. A fotografia passou a ser obrigatória para se reconhecerem os amigos e as amigas. Mesmo que não se falem na rua ou no bairro, nesta rede todos partilham a retenida e o cerco cresce à conta das sugestões do algoritmo.

Já o oceano da comunicação se começava a compor de cardumes variados, alguns dos quais desconhecidos, apareceu o Twitter, uma rede mais larga e robusta para cardumes mais sofisticados e opinativos. Juntou peixes pequenos com peixes grandes. A hierarquia da cadeia alimentar ditou o elitismo de uns e a exacerbação no discurso de outros. Instalou-se um progressivo caos nas espécies.

O Instagram forneceu aos cardumes o espelho para se mirarem. Desde as mais rotineiras atividades como comer ou dormir às mais esquisitas ou mirabolantes aventuras, o cardume deixou-se apanhar pelos cliques das redes de emalhar. muito finas e transparentes, para dar a conhecer o seu modo de vida.

Os cardumes mais aventureiros e apreciadores de iscos elaborados encontraram no Tinder a rede apropriada para a continuação da espécie. A comunicação entrou no campo da relação íntima onde só importa o que é visível aos olhos. Valorizou-se o brilho da escama, o vermelho da guelra, a cor da barbatana, seja peitoral ou caudal.

Atualmente, e fazendo jus às preocupações com o meio ambiente e aos gritos de "Salvem o Planeta!", proclamou-se a biodiversidade e a rede afrouxou os seus nós, flexibilizou a malha e espraiou-se para as margens secas e arborizadas, permitindo a miragem da fusão do meio aquático com o terrestre. É a época da rede Mastodont. Libertária, sem bóias nem chumbos, oferece ao cardume a escolha de navegar ao sabor da maré e do vento. 

Certamente outras se redes se seguirão, a menos que os cardumes desistam de comunicar e se enfiem em cavernas silenciosas.